terça-feira, 16 de agosto de 2011

REPORTAGEM NA TRIBUNA SOBRE AÇÃO ARTÍSTICA DE CAXAMBÓ

Cidade
Artistas de rua tiram sustento dos ônibus
Publicada: 13/08/2011 06:08| Atualizada: 13/08/2011 06:02
Carlos Vianna Junior

O ônibus como teatro móvel, passageiros como plateia; motoristas como diretores, deslocando a cena ao toque de um freio. O artista se prepara no ponto de ônibus, seu camarim. As portas, como cortinas, se abrem e, inesperadamente, o artista aparece em frente ao público atônito, perdido em seus pensamentos, em seus problemas. “Acorda, meu povo”, diz, em voz alta, o artista.


O ônibus todo, então, entra em outra viagem. Dele, com um pouco de sorte, o artista sai com uns trocados a mais, e os passageiros, com uma emoção que só a arte é capaz de oferecer. O ônibus é mais que um meio de transporte, é também um meio de arte, um meio de vida.


“Me desliguei dos meus problemas por alguns minutos”, relata a promotora de vendas Leila Cristina Cardoso, depois de assistir a apresentação de Zé da Mala. “Acho que eles fazem um trabalho importante, a vida é difícil e encontrar algo que nos distraia e ainda fale coisas boas, ajuda”, acrescenta. Zé da Mala sai do ônibus sob os aplausos dos passageiros e com sete reais a mais, mas não é só isso que ele carrega consigo da experiência.


“Acho que o artista tem a obrigação de acender uma luzinha para o público, e quando a gente sente que isso aconteceu, é uma grande satisfação!”, salienta.


Após seis horas de trabalho, depois de acumular R$ 90 de um dinheiro suado, Zé da Mala pega mais um ônibus. Este, no entanto, o leva para casa, em Vila de Abrantes. No caminho, ele volta a ser Gabriel Bandarra, 23 anos, casado e pai de um filho.


Depois de três anos tirando sustento do que lhe dão os passageiros, Gabriel já não se apresenta com tanta frequência nos ônibus. O reconhecimento adquirido lhe abriu outras portas. “Faço ônibus esporadicamente, agora, e não só pelo dinheiro, é a melhor escola que já tive.


O ônibus me deu tudo que tenho”, reconhece o artista que, recitando textos de grandes autores brasileiros, agora se apresenta mais para empresas e participa de abertura de eventos, o que o levou a dividir palco com artistas como os cantores Margareth Menezes e Chico César.


Se Zé da Mala não será mais facilmente visto nos ônibus de Salvador, há tantos outros que são atrações constantes para os passageiros. É o caso do palhaço Caxambó, personagem dos ônibus desde 2007. “Pretendo usá-lo eternamente como palco”, afirma. Há outros, como o Palhaço Sabiá, que começou há pouco tempo, mas já se mostra envolvido pelo trabalho. “Comecei no início deste ano, mas não penso em parar”, declarou.


Assim é o mundo das artes cênicas nos ônibus: rotativo. Um artista sai, outro entra. Não há números oficiais, mas, segundo os próprios artistas, a estimativa é que existe um pouco mais de uma dezena deles trabalhando em Salvador. Suas linhas de ônibus preferidas circulam entre o Campo Grande e a orla. “O fluxo de desce e sobe nessas linhas é menor”, explica o Palhaço Sabiá, nome artístico de Tiago Enoque, de 29 anos.


Nem tudo são aplausos


Tirando o nariz de bolinha vermelho, a maquiagem e o figurino, o palhaço Caxambó se transforma em Igor Sant’Anna, um pai de família, de 31 anos. Trabalha em ônibus desde 2007, onde chega a ganhar cerca de R$ 100 num bom dia de trabalho, que pode durar até oito horas tentando fazer passageiros rirem. Apesar de ser um entusiasta do seu trabalho, Igor reconhece que há momentos duros na função. “Às vezes, se sente que as pessoas têm um certo preconceito. Algumas têm a ideia equivocada de que o artista de rua é um esmoler.


Eles não percebem que esmoler pede centavos, e um palhaço como eu, pede logo é cinco, dez reais”, brinca.
Essa percepção sobre o artista de ônibus, para Pareta Calderasch, nome artístico de Sérgio André Ribeiro, 29 anos, é gerada por falta de conhecimento. “Muitos acham que somos pessoas que não querem trabalhar, não compreendem que, na verdade, encontramos uma alternativa para sobreviver”, destaca o artista.


As dificuldades não param por aí. “Encontramos também pessoas mal humoradas, até algumas que não estão bem da cabeça e nem sempre eles aceitam nosso trabalho”, ressalta Zé da Mala, que já teve que sair de um ônibus, às pressas, porque um passageiro “invocou” com sua cara. Para Pareta Calderasch, outro problema é a necessidade de automotivação. “São muitas apresentações, e nem sempre você tem o ânimo de ser um personagem, aí tem que tirar forças de algum lugar. É difícil, mas acaba sendo um grande exercício”, salienta.


Missão de relaxar corações


O trabalho de Pareta Calderasch, apesar de sua maquiagem levar alguns passageiros a lhe confundir com um palhaço, não tem a risada como objetivo. Poeta, o que ele tenta é emocionar com a beleza das palavras. “Levando poesia viva para as pessoas, lhes aproximo da literatura, que é tão esquecida no país”, justifica.


Não é só Pareta que acredita está levando algo especial para seu público, ou seja, que além de ser para eles um ganha-pão, seu trabalho tem, sim, uma função social. “Eu acredito que faço os passageiros pensarem um pouco na situação em que vivemos, pois suscito sempre, através da poesia, questões políticas e problemas do nosso cotidiano”, argumenta o palhaço Sabiá.


O palhaço Caxambó também tem claro qual é o benefício que seu trabalho leva para os passageiros. Sua função social está descrita na missão do palhaço, que, segundo ele, é “relaxar corações”. “Imagina, numa segunda-feira: ressaca, voltar ao trabalho, engolir sapo do patrão, e aparece um cara assumindo o papel de perdedor para que essas pessoas possam rir dela”.


Alias, não são só os próprios artistas que veem uma função social em seu trabalho. Para o cobrador Edson Nunes, o benefício que eles levam para os ônibus é tão incontestável que deveria fazer parte de uma política governamental. “A prefeitura, ou o estado, deveria contratá-los para fazer a vida dos passageiros mais alegre” propõe. “A mim mesmo, eles ajudam muito, tiram a monotonia do meu trabalho”, acrescentou.


Outra prova que o trabalho dos artistas preenche uma carência do seu público está no fato de que muitos motoristas os convidam a subir no ônibus. Zé da Mala diz que já teve caso de um motorista ficar chateado com ele por, sem tempo para mais apresentações, ter negado um convite. “Uma vez”, conta Pareta, “ainda de maquiagem, estava tentando voltar para casa, mas foram tantos os pedidos para me apresentar mais uma vez, que, mesmo cansado, voltei ao ônibus”.

2 comentários:

  1. uuuhuuuu excelente!!! parabéns! vivam os palhaços em todos os cantos do mundo!! Abraços. SantimBufanda

    ResponderExcluir
  2. Olá, Cia Pé na Terra!!!
    Tive a satisfação de conhecer a arte de vocês neste domingo, lá no Campo Grande.
    Muito legal!
    Amei vocês, eu e meus pequenos.
    Um grande abraço.

    ResponderExcluir