Por Igor Sant'Anna Caxambó
A Cia
Pé na Terra tem como um de seus princípios basilares a pesquisa relacionada à
prática da arte do palhaço associada à intervenções educativas.
No dia
19 de maio de 2016, fizemos contratados pela Bahia Norte uma intervenção de
Palhaços-educadores especialmente envolvida com a temática do Dia Nacional de
Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Mais
uma vez essa arte pode oferecer seus serviços para além do entreter e fazer
rir, propondo reflexões, transgressões e transformação de consciências acerca
de um assunto que é ao mesmo tempo grave e delicado na realidade brasileira.
Fomos à Escola
Municipal Pasto de Fora do Município de Candeias e na Escola Municipal Irmã
Dulce no Município de Simões Filho. Realizamos espetáculo de
palhaços abordando cenas cotidianas de abuso e exploração sexual de Crianças e
Adolescentes, explicitando de forma lúdica elementos que caracterizam a mesma.
Caxambó, Didi Siriguela
e Pernácio entraram em cena, apresentaram números clássicos da palhaço. Após criar empatia com a plateia, foram
encenadas situações de exploração sexual infantil com ênfase em atenção,
prevenção e medidas a serem tomadas.
Tudo apresentado em
formato de espetáculo circense, com mensagens não somente passadas verbalmente,
mas demonstradas cenicamente, até que a tensão do tema foi aos poucos se sobrepujando
à ludicidade da palhaçaria.
Através da arte do
palhaço nos vimos entrando nos corações daquelas crianças e adolescentes até
que se tornou inevitável parar o espetáculo tirar o nariz e falar seriamente
sobre o assunto com os presentes.
Segundo Morais et all (2007)[1] a
Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCCA) é um fenômeno
que tem sido descrito em várias partes do mundo sendo sua visibilidade no
Brasil ocorrida a partir da década de 1990
com a realização da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou
denúncias envolvendo menores de 18 anos comercializados sexualmente.
Nessa CPI ficou claro o
quanto os caminhoneiros são um dos principais personagens envolvidos no
fenômeno da ESCCA, juntamente com os pais das crianças e adolescentes
explorados, policiais e donos de boate.
A visão sobre crianças
e adolescentes como seres sexuais e sua respectiva culpabilização ou a
referência à situação de pobreza dessas crianças e adolescentes como causa da
sua exploração sexual infantil demonstram a falta de responsabilização da
sociedade adulta como uma característica de um contexto sócio-cultural pouco
atento aos diversos condicionantes da exploração sexual comercial infantil.
O tratamento do
fenômeno requer a busca por um amplo processo de mudança de culturas e valores
a fim de romper a ignorância diante das consequências nefastas e prejuízos que
a situação de abuso pode acarretar no desenvolvimento dessas crianças e
adolescentes.
A arte do palhaço contém em suas características intrínsecas, potência
de comunicação humana com capacidade de denunciar o erro, os sofrimentos, a
opressão, o orgulho. Em outras palavras, reduz cenicamente, através da
ludicidade, as grandes estapafúrdias humanas, tornando-as cômicas, risíveis.
Através do riso, o palhaço propõe reflexões facilmente evitadas no
cotidiano pelas pessoas. O riso catártico permite ao palhaço ir mais longe, um
pouco mais a fundo, sem, no entanto machucar as feridas que cicatrizaram por
fora e que mantiveram-se vivas por dentro.
Nós três (eu, Carla de Miranda e Eduardo Valverde) nos vimos diante de
um grande desafio. Como abordar um assunto de tamanha gravidade com crianças e
adolescentes? Como abordar através da inocência do palhaço algo que é tão cruel
e maldoso? Nós que sempre cumprimos a missão de trazer as pessoas para o mundo
da ludicidade... que muitas vezes optamos por nem tirar o nariz na frente de
crianças a fim de não quebrar a magia da relação estabelecida.
Dessa vez sentimos na consciência qual a necessidade da educação na
palhaçaria. Precisávamos usar nossa arte para que algo fosse feito por quem
vive o risco de ter sua inocência arrancada. Tornamo-nos não somente os
inocentes de nariz, mas aqueles que traziam a mensagem da malícia para que a
maldade não se sobrepujasse.
Desejamos que não fosse assim, mas infelizmente tive que falar coisas para
aquelas crianças que nem falo pra meu filho. São crianças e adolescentes que
podem tornar-se vítimas e precisam de recursos ao mínimo ideológicos para
poderem se defender de tal situação.
No final das contas percebemos o quanto poderosa é a arte do palhaço e o
quanto foi importante terem recebido essa mensagem pelo riso, pelo carinho da
palhaçaria...situação delicada!
No final de tudo colocamos o nariz de novo e apresentamos mais um número
de palhaço. Na despedida quisemos deixar bem claro que existe a maldade no
mundo. Devemos nos cuidar, mas devemos seguir em frente confiando na vida e
plantando boas sementes.
Todos somos responsáveis em fazer um mundo melhor, todos somos
responsáveis, juntos e unidos, em compor uma nova realidade para o nosso
planeta. Que os bons se fortaleçam. Que a inocência sempre vença.
[1]
MORAIS, Normanda Araújo . Exploração Sexual Comercial de Crianças e
Adolescentes: Com caminhoneiros brasileiros. Revista Psicologia : teoria e
pesquisa. Brasília, DF. Vol 23, n.3 (jul/set2007), p.263-271. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/20545.