sábado, 28 de maio de 2016

Palhaços-educadores no combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes

Por Igor Sant'Anna Caxambó

A Cia Pé na Terra tem como um de seus princípios basilares a pesquisa relacionada à prática da arte do palhaço associada à intervenções educativas.

No dia 19 de maio de 2016, fizemos contratados pela Bahia Norte uma intervenção de Palhaços-educadores especialmente envolvida com a temática do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Mais uma vez essa arte pode oferecer seus serviços para além do entreter e fazer rir, propondo reflexões, transgressões e transformação de consciências acerca de um assunto que é ao mesmo tempo grave e delicado na realidade brasileira.

Fomos à Escola Municipal Pasto de Fora do Município de Candeias e na Escola Municipal Irmã Dulce no Município de Simões Filho. Realizamos espetáculo de palhaços abordando cenas cotidianas de abuso e exploração sexual de Crianças e Adolescentes, explicitando de forma lúdica elementos que caracterizam a mesma.

Caxambó, Didi Siriguela e Pernácio entraram em cena, apresentaram números clássicos da palhaço.  Após criar empatia com a plateia, foram encenadas situações de exploração sexual infantil com ênfase em atenção, prevenção e medidas a serem tomadas.

Tudo apresentado em formato de espetáculo circense, com mensagens não somente passadas verbalmente, mas demonstradas cenicamente, até que a tensão do tema foi aos poucos se sobrepujando à ludicidade da palhaçaria.

Através da arte do palhaço nos vimos entrando nos corações daquelas crianças e adolescentes até que se tornou inevitável parar o espetáculo tirar o nariz e falar seriamente sobre o assunto com os presentes.

Segundo Morais et all (2007)[1] a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCCA) é um fenômeno que tem sido descrito em várias partes do mundo sendo sua visibilidade no Brasil ocorrida a partir da década de 1990  com a realização da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou denúncias envolvendo menores de 18 anos comercializados sexualmente.

Nessa CPI ficou claro o quanto os caminhoneiros são um dos principais personagens envolvidos no fenômeno da ESCCA, juntamente com os pais das crianças e adolescentes explorados, policiais e donos de boate.

A visão sobre crianças e adolescentes como seres sexuais e sua respectiva culpabilização ou a referência à situação de pobreza dessas crianças e adolescentes como causa da sua exploração sexual infantil demonstram a falta de responsabilização da sociedade adulta como uma característica de um contexto sócio-cultural pouco atento aos diversos condicionantes da exploração sexual comercial infantil.

O tratamento do fenômeno requer a busca por um amplo processo de mudança de culturas e valores a fim de romper a ignorância diante das consequências nefastas e prejuízos que a situação de abuso pode acarretar no desenvolvimento dessas crianças e adolescentes.

A arte do palhaço contém em suas características intrínsecas, potência de comunicação humana com capacidade de denunciar o erro, os sofrimentos, a opressão, o orgulho. Em outras palavras, reduz cenicamente, através da ludicidade, as grandes estapafúrdias humanas, tornando-as cômicas, risíveis.

Através do riso, o palhaço propõe reflexões facilmente evitadas no cotidiano pelas pessoas. O riso catártico permite ao palhaço ir mais longe, um pouco mais a fundo, sem, no entanto machucar as feridas que cicatrizaram por fora e que mantiveram-se vivas por dentro.

Nós três (eu, Carla de Miranda e Eduardo Valverde) nos vimos diante de um grande desafio. Como abordar um assunto de tamanha gravidade com crianças e adolescentes? Como abordar através da inocência do palhaço algo que é tão cruel e maldoso? Nós que sempre cumprimos a missão de trazer as pessoas para o mundo da ludicidade... que muitas vezes optamos por nem tirar o nariz na frente de crianças a fim de não quebrar a magia da relação estabelecida.

Dessa vez sentimos na consciência qual a necessidade da educação na palhaçaria. Precisávamos usar nossa arte para que algo fosse feito por quem vive o risco de ter sua inocência arrancada. Tornamo-nos não somente os inocentes de nariz, mas aqueles que traziam a mensagem da malícia para que a maldade não se sobrepujasse.

Desejamos que não fosse assim, mas infelizmente tive que falar coisas para aquelas crianças que nem falo pra meu filho. São crianças e adolescentes que podem tornar-se vítimas e precisam de recursos ao mínimo ideológicos para poderem se defender de tal situação.

No final das contas percebemos o quanto poderosa é a arte do palhaço e o quanto foi importante terem recebido essa mensagem pelo riso, pelo carinho da palhaçaria...situação delicada!

No final de tudo colocamos o nariz de novo e apresentamos mais um número de palhaço. Na despedida quisemos deixar bem claro que existe a maldade no mundo. Devemos nos cuidar, mas devemos seguir em frente confiando na vida e plantando boas sementes.

Todos somos responsáveis em fazer um mundo melhor, todos somos responsáveis, juntos e unidos, em compor uma nova realidade para o nosso planeta. Que os bons se fortaleçam. Que a inocência sempre vença.




[1] MORAIS, Normanda Araújo . Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes: Com caminhoneiros brasileiros. Revista Psicologia : teoria e pesquisa. Brasília, DF. Vol 23, n.3 (jul/set2007), p.263-271. Disponível em http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/20545